O povo asiático que evoluiu um órgão do corpo para mergulhar melhor

Publicado por Tv Minas em 16/01/2019 às 21h54

Fonte: BBC

Em um exemplo impressionante de seleção natural, o povo bajau, do Sudeste Asiático, desenvolveu baços maiores para facilitar atividades de mergulho, mostra estudo publicado na revista científica Cell.

 

Os bajaus são tradicionalmente nômades e marítimos e sobrevivem coletando crustáceos do fundo do mar.

 

Cientistas estudando biologicamente o efeito desse estilo de vida descobriram que os baços desse povo eram maiores do que os de outros, vizinhos.

 

O baço é um pequeno órgão, do tamanho de um punho, localizado perto do estômago. Ele remove as células velhas do sangue e atua como uma espécie de "tanque de mergulho" biológico durante longas incursões debaixo d'água.

 

Em tamanho maior, aumenta a disponibilidade de oxigênio no sangue para que se realize a atividade.


Os bajaus vivem no sul das Filipinas, Indonésia e Malásia e, de acordo com estimativas aproximadas, totalizam cerca de 1 milhão de pessoas.

 

"Por possivelmente milhares de anos, eles têm vivido em barcos-casa, viajando de um lugar para outro nas águas do Sudeste Asiático e parando em terra firme só de vez em quando. Então, tudo o que precisam, eles obtêm do mar", diz Melissa Ilardo, autora principal do estudo pela Universidade de Copenhague, da Dinamarca, ao programa Inside Science (Por Dentro da Ciência) da BBC.

 

Na atividade, eles usam máscara de madeira, como a da imagem, ou óculos de proteção e cinto de peso, que evitam que o mergulhador suba à superfície.

 

 

Esses povos eram mencionados em escritos de 1521 pelo explorador veneziano Antonio Pigafetta, que fez parte da primeira viagem para circunavegar o globo.

 

São conhecidos por uma capacidade extraordinária de prender a respiração.

 

"Quando fazem da maneira tradicional, eles mergulham repetidamente por cerca de oito horas por dia, gastando aproximadamente 60% do seu tempo debaixo d'água. O mergulho pode levar de 30 segundos a vários minutos, mas a profundidades é de mais de 70 metros ", diz Ilardo.

 

Surpreendentemente, esses mergulhos profundos são realizados apenas com uma máscara de madeira ou óculos de proteção e um cinto de peso - um equipamento que evita que o mergulhador suba à superfície.

 

Ilardo explica que o baço era um candidato óbvio para analisar em busca de possíveis adaptações evolutivas a esse estilo de vida aquático.

 

"Há uma resposta humana ao mergulho que é acionada quando você prende a respiração e fica submerso na água. Você pode ativá-la afundando seu rosto em água fria", explica ela.

 

"Sua frequência cardíaca diminui, você tem vasoconstrição periférica, em que os vasos sanguíneos em suas extremidades ficam menores para preservar o sangue oxigenado de seus órgãos vitais e, então, a última coisa que acontece é uma contração do baço."

 

A pesquisadora observa ainda que "o baço é um reservatório de glóbulos vermelhos oxigenados e que, por isso, quando é contraído, dá à pessoa um reforço de oxigênio". "É como um tanque de mergulho biológico", diz.

 

 

Casas de palafita ou casas-barco são tradicionais entre os bajaus.

 

 

Ilardo levou uma máquina portátil de ultrassom a uma área da Indonésia onde vivem os bajaus. "Eu pedi muito gentilmente às pessoas que me deixassem dar uma olhada nos baços delas", conta a pesquisadora.

 

Os resultados mostram que mergulhadores e não-mergulhadores da comunidade bajau têm baços de tamanho parecido. Isso ajudou a mostrar que o aumento do órgão não era simplesmente uma consequência do mergulho regular.

 

Mas quando os pesquisadores compararam o bajaus a um grupo vizinho chamado saluan, que tradicionalmente leva um estilo de vida agrícola, descobriram que os bajaus tinham baços 50% maiores, em média.

 

A equipe também conseguiu encontrar uma base genética aparente para a diferença de tamanho. Eles compararam os genomas (o complemento total de DNA nos núcleos de células humanas) dos bajaus, dos saluans e dos chineses han entre áreas que estiveram sob seleção natural.

 

A questão que norteou o trabalho foi: "Há variantes genéticas em frequência muito maior, que mudaram essa frequência especificamente entre os bajaus em comparação com outras populações?", diz o coautor da pesquisa, Rasmus Nielsen, da Universidade da Califórnia em Berkeley.

 

Os resultados dessa "sondagem seletiva" revelaram 25 diferenças significativas do genoma dos bajaus em comparação com o dos outros grupos. Um exemplo foi um gene conhecido como PDE10A que se correlaciona com o tamanho do baço maior verificado nos bajaus, mesmo após se levar em conta fatores como idade, sexo e altura.

 

 

Ilha habitada por povo bajau: eles se dispersaram em vários países do Sudeste Asiático.

 

 

Nos camundongos, o PDE10A é conhecido por regular um hormônio da tireoide que controla o tamanho do baço, corroborando a ideia de que esse órgão poderia ter evoluído nos bajaus como meio necessário para sustentar mergulhos longos e frequentes.

 

Em 2014, um grupo diferente de pesquisadores publicou evidências de uma adaptação genética em populações tibetanas para viver em altas altitudes. Nesse caso, a variante do gene em questão parece ter se originado em uma população antiga conhecida como denisovans, que é considerada uma população "irmã" dos neandertais.

 

Essa variante do gene foi provavelmente introduzida nos humanos modernos através de cruzamentos antigos (um processo conhecido como "introgressão"), e então subiu para altas frequências no planalto do Tibete por causa da vantagem que proporcionava.

 

A equipe que estuda o povo bajau também investigou se algo semelhante poderia ter acontecido nesse caso, mas não encontrou evidências para tal ligação.

 

"Não está claro há quanto tempo os bajaus têm esse estilo de vida, ou quando exatamente a adaptação surgiu, considerando os dados genéticos que temos agora", diz Ilardo.

 

No entanto, os dados mostram que os bajaus "se separaram" do Saluan não-mergulhador de há cerca de 15 mil anos. Foi tempo o bastante, segundo a pesquisadora, para que desenvolvessem a adaptação aquática.

 

Rasmus Nielsen acrescenta: "É um maravilhoso exemplo de como os humanos podem se adaptar aos seus ambientes locais, mas pode haver algum interesse médico nisso. Queremos entender adaptações à hipóxia, ou seja, a baixos níveis de oxigênio".

 

Ele diz que, comparado com as adaptações à altitude em tibetanos, o caso bajau representou um exemplo potencialmente mais relevante do ponto de vista médico, justamente por se tratar de uma adaptação à menor oxigenação.

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