Moradores de Araraquara têm falta de comida, preços altos e miséria em lockdown

Publicado por Tv Minas em 27/02/2021 às 12h14

Fonte: Jovem Pan

Após seis dias das medidas de restrição supermercados e comércios registram desabastecimento e aumento do número de pessoas em situação de pobreza nas ruas.

Há quase uma semana, o simples ato de comprar um pão se tornou uma odisseia para a fisioterapeuta Elisabete Ramos, moradora de Araraquara, no interior de São Paulo. A cidade, que está em lockdown desde o dia 21 de fevereiro por causa da lotação dos leitos de UTI com contaminados pela Covid-19, estendeu a medida até o próximo domingo e, até esta sexta-feira, 26, não estava permitindo a abertura de supermercados, que deveriam funcionar apenas no esquema de delivery. Na quarta e na quinta-feira, redes maiores de atacados que atendiam a cidade já anunciavam o atraso de entregas ou a pausa no recebimento de pedidos por causa da alta demanda daqueles que queriam estocar alimentos.

Nos estabelecimentos menores, alguns não conseguiam mais receber de fornecedores, o que criou um efeito dominó no suprimento dos moradores. “Aqui no bairro tentei comprar pão, perguntei se eles vão abrir para receber pedidos e a dona da padaria falou que estava sem estoque porque nem os fornecedores dela podiam trabalhar para fornecer os produtos pra ela produzir”, afirma a moradora do bairro Jardim Universal.

Enquanto alguns mercados menores não têm como fornecer, outros, que não tinham sistema de distribuição para residências em larga escala, tiveram dificuldades logísticas de cumprir com os pedidos. Nos perfis dos supermercados nas redes sociais, é possível ver prazos de entrega que datam de dois ou três dias, assim como locais que suspenderam todos os pedidos porque não tinham capacidade de lidar com o excesso de demanda.

Segundo Marcelo Santana, que tem gastado suas reservas financeiras após perder o emprego no início da pandemia, alguns estabelecimentos também estão exigindo uma compra mínima de R$ 50 ou R$ 80, o que impede que os clientes adquiram produtos individuais, como pão e leite, por exemplo.

Alguns lojistas afirmam que essas rusgas no fornecimento dos comércios são fruto do pouco tempo para se preparar quanto ao lockdown. De acordo com relatos, comerciantes foram pegos de surpresa com o fechamento total das lojas físicas e a permissão para fazer apenas delivery.

“Se ele [prefeito] tivesse conversado com essas instituições antes, essas instituições tinham se programado, se organizado, falado: ‘poderemos fazer x entregas por dia, seus pedidos vão entrar numa sequência de produção’. Eles pegavam os funcionários lá dentro e separavam para a parte de preparação de alimentos, algo que o pessoal de supermercado está reclamando muito. Isso teria ajudado a dar certo”, afirma o empresário Alexandre Cruz, que desde o início da pandemia se juntou com centenas de empresários da região para articular formas de ajudar o município diante da crise da Covid-19.

“Um cliente me ligou e eu levei comida para ele. Ele está acostumado a pedir comida todos os dias e falou: ‘eu não tenho mais o que comer. Eu fiz um pedido, ia abrir quarta, mas cadê vocês?’. Minha esposa cozinhou, desinfectamos tudo e levamos até ele, chorando. Um senhor, sozinho”, afirma Cruz.

Já para os menos afortunados, a fome se manifesta nas ruas. “Se você andar no centro de Araraquara, você não reconhece mais a cidade. As pessoas estão no semáforo desesperadas pedindo comida. Isso virou um problema humanitário”, relata Marcelo Santana. A prefeitura da cidade foi procurada pela equipe da Jovem Pan diversas vezes para se posicionar, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.

 

Novo decreto poderá gerar mais aglomeração

Após as cenas narradas ao longo da semana, a prefeitura da cidade anunciou na noite desta quinta-feira, 25, novos decretos que modificaram a logística do lockdown, permitindo que compras por drive-thru fossem feitas presencialmente ontem. A partir deste sábado, 27, será permitido o atendimento presencial de supermercados, quitandas e açougues, desde que respeitando o “limite de consumidores” e fila externa com três metros de distanciamento entre cada pessoa, tendo, no máximo, 20 pessoas. Os postos de combustíveis, que também estavam fechados, retomarão os atendimentos para os “trabalhadores autorizados a desempenhar suas funções” entre as 6h e 19h.

Restaurantes e comércios deverão seguir fechados, incluindo o esquema de delivery. A preocupação de moradores da cidade é com as aglomerações, já presenciadas um dia antes dos mercados fecharem por causa do lockdown. “Quando foi dito que sairia o decreto fechando os mercados e que só funcionaria pelo serviço de delivery, conhecendo a cidade e a estrutura dos mercados, quem tinha dinheiro disponível foi para o mercado e causou um caos, um tumulto, uma aglomeração sem limites. Se existia um espaço de aglomeração da Covid foi ali”, recorda Elisabete Ramos.

“O que vai acontecer amanhã na hora que abrir o atacadão em Araraquara? Vai ter fila na Washington Luiz para entrar”, prevê o empresário Michel Destefani, lembrando que outros mercados menores das cidades vizinhas e até mesmo do município dependem diretamente das redes de atacado para abastecimento e também deverão engrossar o movimento. “O nosso principal ponto é o mal planejamento. Estamos dizendo que o que ele [prefeito] está fazendo vai dar errado. Amanhã vamos sair e ver o resultado deste decreto. Vai juntar todo mundo nos supermercados, porque é a única opção de alimento que as pessoas têm. Têm pessoas saindo da cidade, quem tem condições, e lotando os supermercados das cidades vizinhas”, conta Alexandre.

Segundo o boletim diário mais recente disponível no site da prefeitura da cidade, Araraquara tem 13,8 mil casos de Covid-19 confirmados desde o início da pandemia e 185 óbitos causados pela doença. A taxa de ocupação dos leitos de enfermaria e de UTI é de 100%.

 

Respostas dos governos estaduais e municipais

Diante das consequências causadas pela medidas restritivas e o número crescente de infectados na cidade, o grupo de lojistas, que busca formalizar o nome de Associação de Empresários de Araraquara, ofereceu um auxílio para a prefeitura. “Aqui tem empresários grandes, porque nós temos indústrias aqui, que falaram: ‘Diga o que vocês [prefeitura] precisam que nós vamos correr atrás. É o que? Respirador? Oxigênio? O que é?’ Até hoje nós estamos esperando essa resposta”, afirmou o empresário Davi Fante.

Ele diz que, na última quarta-feira, quando a extensão do decreto de lockdown foi prorrogada, membros do grupo entraram em contato com funcionários da gestão municipal e foram informados de que não havia necessidade de ajuda. “Ele falou: está tudo sob controle, só falta a mão de obra, mas estamos atrás. Agora eu pergunto: se está tudo sob controle, por que estamos nessa situação?”, questiona.

A Jovem Pan procurou a Secretaria de Comunicação da cidade na tarde desta sexta-feira, 26, para questionar sobre quais medidas foram tomadas para mitigar os problemas, porém recebeu como resposta que “seriam enviadas informações sobre os novos decretos publicados nesta sexta-feira”. Já o governo do Estado de São Paulo informou que as questões são referentes a medidas exclusivas do município e lembrou que as restrições inclusas no Plano SP — que incluiu Araraquara na fase vermelha — podem ser conferidas no site do estado.

Na quinta-feira, o prefeito da cidade, Edinho Silva (PT), fez uma live nas redes sociais afirmando que “todos estavam preocupados com a situação do município” e que uma longa reunião com especialistas foi feita. Na ocasião, ele saudou e reconheceu o sacrifício feito por comerciantes, pequenos e médios empresários durante o período de lockdown, mas pontuou que o esforço feito até o momento não pode ser jogado fora.

“Eu sei que essa proposta não será consensual, sei que muitos já estão em redes sociais atacando, tentando desqualificar, mas essa proposta não é da minha cabeça, ou dos secretários, é uma proposta construída em cima do diálogo com a ciência”, pontuou. Ele disse, ainda, que a prefeitura está preocupada com o abastecimento das famílias e das obras paradas na cidade. “Nós estamos preocupados com o comércio, com o emprego, com a subsistência dos moradores de Araraquara, mas estamos preocupados também com a vida”, afirmou.

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