Publicado por Tv Minas em 06/05/2021 às 19h19
Uma operação da Polícia Civil do RJ contra o tráfico de drogas no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, deixou 25 pessoas mortas e provocou um intenso tiroteio no início da manhã desta quinta-feira (6).
Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e a plataforma Fogo Cruzado, trata-se da operação policial mais letal da história do Rio.
O policial civil André Farias foi baleado na cabeça e morreu, segundo a polícia. A corporação afirma ainda que 24 suspeitos foram mortos, mas não esclareceu quem são a maioria das vítimas e a situação em que foram atingidas. Em coletiva à tarde, o delegado Rodrigo Oliveira, da Core, disse que dois dos mortos foram alvejados quando atacaram policiais que faziam a perícia no local de outras mortes.
Seis pessoas foram presas e armas foram apreendidas.
Pelas redes sociais, moradores relataram mais mortes que as computadas, além de corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados. À tarde, eles chegaram a fazer um protesto na comunidade. A polícia negou que fez qualquer execução durante a operação.
O delegado Ronaldo Oliveira nega que tenha havido execução. "Para deixar bem claro: quem não reagiu, foi preso. Ou foi preso ou fugiu".
"Se alguém fala de execução nessa operação, foi no momento em que o policial foi morto com um tiro na cabeça ", disse o delegado Rodrigo Oliveira, da Core.
Dois passageiros do metrô foram baleados dentro de um vagão da linha 2, na altura da estação Triagem, e sobreviveram. Um morador foi atingido no pé, dentro de casa, e passa bem. Dois policiais civis também se feriram.
O sociólogo Daniel Hirata, do Geni/UFF, classifica a operação como inaceitável e diz que é mais grave do que chacinas como a de Baixada Fluminense, em 2005, ou a de Vigário Geral, em 1993.
"Foi a operação mais letal que consta na nossa base de dados, não tem como qualificar de outra maneira que não como uma operação desastrosa (...) É uma ação autorizada pelas autoridades policiais, o que torna a situação muito mais grave".
Ele diz que, segundo os moradores, a ação se tornou mais violenta após a morte do policial e que ficou "incontrolável".
Vídeos registraram o som de rajadas, e explosões de bombas foram registradas em diferentes pontos da favela.
Moradores contaram que não conseguiam sair de casa — como uma noiva de casamento marcado e uma grávida com cesariana agendada, ambas para esta manhã. Devido ao confronto, a Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira e outros dois postos de vacinação contra a Covid precisaram ser fechados.
Maior nº de mortes, apesar de restrição do STF
Segundo a plataforma digital Fogo Cruzado, que registra dados de violência armada desde julho de 2016, é o maior número de mortes durante uma operação da polícia em uma comunidade desde o início dos levantamentos.
Desde junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu operações em favelas durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais".
Para isso, os agentes precisam comunicar ao Ministério Público sobre o motivo da operação. O órgão informou que foi notificado pela polícia sobre a ação "logo após o início da operação" (veja íntegra da nota no fim da reportagem). Em entrevista coletiva à tarde, o delegado Rodrigo Oliveira, da Core, afirmou que a ação cumpriu todos os protocolos da decisão do STF.
Um advogado da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acompanha o caso.
Números
Segundo a Polícia, até 15h30, a operação tinha apreendido:
A ação envolveu:
Aliciamento de crianças e adolescentes
A Operação Exceptis investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, como assassinatos, roubos e até sequestros de trens da Supervia. A polícia afirma que o tráfico da região adota táticas de guerrilha, com armas pesadas e “soldados fardados”.
O Jacarezinho é considerado uma base do Comando Vermelho, a maior facção do tráfico de drogas em atividade no Rio. A comunidade é predominantemente plana, repleta de ruelas e cercada de barricadas instaladas pelo crime — o que dificulta o acesso de blindados, por exemplo.
Escutas identificaram 21 criminosos
Com a quebra dos dados telemáticos autorizada pela Justiça, foram identificados 21 integrantes do grupo criminoso, todos responsáveis por garantir o domínio territorial da região com utilização de armas de fogo.
A polícia identificou uma estrutura típica de guerra provida de centenas de “soldados” munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares.
Nota do Ministério Público
O MPRJ informa que a operação realizada nesta data na comunidade do Jacarezinho foi comunicada à Instituição logo após o seu início, sendo recebida às 9hs.
A motivação apontada para a realização da operação se reporta ao cumprimento de mandados judiciais – processo 0158323-03.2020.8.19.0001 - de prisão preventiva e de buscas e apreensão no interior da comunidade, sabidamente dominada por facção criminosa.
A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação, elencando a “prática reiterada do tráfico de drogas, inclusive com a prática de homicídios, com constantes violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades” como justificativas para a sua necessidade. Indicou, por fim, a existência de informação de inteligência que indicaria o local de guarda de armas de fogo e drogas.
Nesse contexto, importante esclarecer que a realização de operações policiais não requer prévia autorização ou anuência por parte do Ministério Público, mas sim a comunicação de sua realização e justificativa em atendimento aos comandos expressos do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento da ADPF 635-RJ.
O MPRJ, desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e 1 policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis.
Informa, ainda, que o canal de atendimento do Plantão Permanente disponibilizado pelo MPRJ recebeu, nesta tarde, notícias sobre a ocorrência de abusos relacionados à operação em tela, que serão investigadas. Cabe ressaltar que, logo pela manhã, a atuação da Coordenação de Segurança Pública, do Grupo Temático Temporário e da Promotoria de Investigação Penal teve início a partir do conhecimento dos fatos pela divulgação na imprensa e redes sociais.
Equipe de Promotores de Justiça acompanha a situação no momento, não havendo ainda confirmação de retomada da estabilidade da segurança no local.
O MPRJ reitera a disponibilidade dos canais de comunicação com o Plantão Permanente (21 2215-7003, telefone e Whatsapp Business) para a apresentação de informações e o oferecimento, por parte da população e sociedade civil em geral, de registros audiovisuais que possam contribuir para a regular apuração dos fatos e identificação de vítimas e familiares que possam vir a colaborar com as investigações.
Por fim, o MPRJ reafirma que todas as apurações serão conduzidas em observância aos pressupostos de autonomia exigidos para o caso, de extrema e reconhecida gravidade.
Ações com mais mortos desde 2007: